Você já imaginou alguém pedindo licença-maternidade para cuidar de um boneco? Por mais surreal que pareça, esse pedido foi feito judicialmente por uma mulher em Salvador (BA), que alegava forte vínculo emocional com um bebê reborn — boneco hiper-realista que imita um recém-nascido.
A petição foi acompanhada de laudos psicológicos e causou espanto ao virar notícia nacional. O caso reacendeu uma discussão importante: o que é maternidade sob a ótica do Direito? E até que ponto o Judiciário deve intervir em relações simbólicas?
Casos envolvendo bebês reborn têm crescido no Brasil
O caso baiano não é isolado. O uso de bebês reborn — inicialmente voltados a fins terapêuticos ou colecionáveis — tem avançado para o campo jurídico, com episódios que vão além da excentricidade.
Guarda compartilhada de boneco em Goiás
Um casal buscou na Justiça a guarda compartilhada de um bebê reborn após o término da relação. O boneco tinha berço, enxoval e até perfil nas redes sociais. O pedido foi negado por ausência de vínculo jurídico.
Projeto de Lei em Minas Gerais
O PL 3.757/2025, em tramitação em Minas Gerais, quer proibir o atendimento de bonecos reborn no SUS, com penalidades para quem tentar simular partos ou emergências médicas.
Redes sociais e impacto emocional
Influenciadoras no TikTok e Instagram compartilham partos simbólicos, amamentações e rotinas com bebês reborn. Os conteúdos dividem opiniões entre afeto, empatia e distorção da realidade.
Esses eventos mostram que a presença dos bebês reborn saiu do íntimo para o debate público, legislativo e judicial.
O que a Justiça decidiu no caso da Bahia?
O pedido de licença-maternidade para bebê reborn foi negado pela Justiça do Trabalho. O juiz afirmou que não há fato gerador jurídico real para concessão da licença, como prevê a legislação.
“A licença-maternidade é um direito vinculado ao nascimento, adoção ou guarda legal de uma criança — e não de um objeto inanimado”, afirmou o magistrado.
Ainda que a mulher apresentasse sofrimento psíquico real, o juiz ponderou que o tratamento adequado é médico e terapêutico, e não a concessão de um benefício trabalhista sem base legal.
Diante da repercussão negativa, a autora desistiu do processo, que foi arquivado.
O que diz a legislação sobre licença-maternidade?
A licença-maternidade é garantida:
- Pela Constituição Federal (art. 7º, inciso XVIII);
- Pela CLT (art. 392 e seguintes);
- Pela Lei nº 8.112/90, para servidores públicos.
Ela protege a relação entre mãe e filho real, em situações juridicamente reconhecidas (nascimento, guarda ou adoção). A legislação não reconhece vínculos legais com objetos, mesmo que o afeto esteja presente.
Laudos psicológicos podem justificar afastamento médico por motivo de saúde, mas não transformam bonecos em filhos para fins legais.
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Como o Direito lida com vínculos simbólicos?
Casos como esse mostram um embate delicado entre:
- O sofrimento subjetivo real, muitas vezes decorrente de transtornos psicológicos ou perdas;
- E os limites objetivos do Direito, que só reconhece relações com base legal definida.
O Judiciário pode acolher a dor, sim, mas não tem o papel de validar juridicamente relações com objetos simbólicos— o que abriria precedentes arriscados.
Conclusão
O caso da licença-maternidade para bebê reborn não é apenas uma curiosidade jurídica. Ele expõe o desafio contemporâneo de equilibrar empatia e legalidade em uma sociedade cada vez mais emocionalmente complexa.
A Justiça foi clara: bebês reborn não são pessoas, e portanto, não geram direitos como licença, guarda ou herança. O afeto pode ser legítimo, mas o Direito exige base jurídica, não só sentimentos.
O episódio também levanta alertas sobre fragilidades emocionais não tratadas, que acabam sendo levadas ao Judiciário em busca de acolhimento. Para esses casos, o caminho mais adequado continua sendo a psicoterapia e o cuidado em saúde mental.